Visto-lhe os casacos que me ficam invariavelmente grandes, pois no fim da vida ela tinha diminuído em altura e em peso, mas não deitava a roupa fora, cuidava dela como ninguém, lavando à mão e separando cada coisa por cores.
É o primeiro dia da Mãe em que não lhe oiço a voz. Era ela quem me prendia a estas convenções, sabendo que delas eu não sou adepta, perdoava-me a falta de fascínio, mas pelo menos o telefonema tinha que existir. Ela gostava muito de rosas e de orquídeas, enquanto eu prefiro as flores do campo e as de jardim, as estrelícias, os girassóis, as flores sem nome ou cujo nome não sei. Sendo duas mulheres tão diferentes, não sei o que nos aproximou tanto nos últimos anos. Talvez tenha sido eu, tardiamente a reconhecer-lhe o esforço de uma vida e o desamparo em que ficou, talvez a sua solidão tenha tocado na minha própria solidão. Dei-lhe a protecção que ela não me deu, perdoando-lhe ausências, omissões e escolhas menos boas. E comecei-lhe a achar-lhe graça, uma coisa fundamental para nos ligarmos a alguém, não é apenas o laço de sangue que o faz.
Mais eu
Cuidarei do teu lugar em mim.
O casaco castanho fica-me tão mal, tu nem deixarias que o usasse, com o teu fino sentido estético. Mas olha, sou eu e sendo assim também me importa que me cubra toda e não tenha que levar o guarda-chuva neste dia em que ela cai amiúde.
~CC~
Só muitos anos depois damos valor ao sacrifício e guardamos num lugar recôndito aquilo que tivemos de perdoar. Mãe é um ser único e insubstituível.
ResponderEliminarGosto das suas crónicas.
Um abraço.
Eu diria mesmo que perdoar faz parte da maturidade adulta...eu levei muito tempo, mas mais ao meu pai do que à minha mãe. Venha sempre:)
EliminarDescendo do lado feminino e amante de flores. Não empatamos capital em flores ainda que as amemos indiscriminadas. Uma de minhas tias usa ainda o termo possuir em relação a esses seres frágeis e perfumados que nos amenizam a vida só por permanecerem; diz por exemplo, já possuí aquela flor.
ResponderEliminarAs nossas flores são dadas e trocadas; por vizinhos, por amigos, por herança, e por vezes, pelo menos eu, compro algumas no lidl. Portanto os nossos canteiros formam uma mescla estranha, compensada por cada flor nos lembrar quem no-la deu. Tenho algumas de que não gosto muito, como as estrelícias que encontro muito arrebitadas e agudas, mas gosto de quem mas ofereceu. Minha mãe preferia violetas, pequenas e perfumadas, escondidas por entre o folhedo; também alguém mas ofereceu e tenho de as arrancar com frequência, tanto alastram canteiro fora.
Dela nada sobrou porque nada tinha. E a ela já nada ofereço ainda que vele o lugar onde mora. Deixou-me o que mais importa: o seu amor incomensurável, o muito que por mim se sacrificou, a sua bondade inata e a delicadeza no trato. Não encontro o que lhe reprove e fomos sempre unha e carne, mesmo que a distância fosse grande. Habitamos dois mundos paralelos e ainda assim a sinto próxima. Se não fora ela talvez tivesse mesmo morrido; ou, como canta o poeta, "já teria bebido algum tinteiro de tinta"; com ela, eternizo a idade escolar.
Todas as flores são lugares de perfeição na terra e não desdenho nenhuma delas. Ainda assim os rebeldes e não alinhados preferem as flores como eles:)
EliminarUm abraço Bea
“Cuidarei do teu lugar em mim” comoveu-me profundamente.
ResponderEliminarEu, minimalista, guardo pertences da minha mãe como relíquias.
Grande tristeza no dia das mães portuguesas, por sentir a sua ausência.
No próximo domingo é o dia das mães alemãs — o meu dia — como dizem os meus quatro „cactos“.
Logo 4? Que beleza...gostaria de ter tido a possibilidade de uma família grande, vários factores me levaram a ter apenas uma menina...se bem que às vezes só ela parecem 10:)
EliminarLembro a minha com saudades.
ResponderEliminarDe como muito me amou.
E tenho sempre a impressão de
de que não a acompanhei o quanto
devia e ela merecia. Talvez a distância
seja a minha desculpa... Mas não me convenço disso.
Um abraço